segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Simpatia...



Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.

(...)
Simpatia - meu anjinho,
É o canto de passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'agosto
É o que m'inspira teu rosto...
- Simpatia - é quase amor!


Que é simpatia - Casimiro de Abreu

Navio que partes


So long "Aurora", originally uploaded by DjSousa.



Navio que partes para longe,
Por que é que, ao contrário dos outros,
Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti?
Porque quando te não vejo, deixaste de existir.
E se se tem saudades do que não existe,
Sinto-a em relação a cousa nenhuma;
Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade.


Navio que partes - Alberto Caeiro

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Is not this whole world an illusion?


Realidades reflectidas..., originally uploaded by Joe Taruga.


Is not this whole world an illusion? And yet it fools everybody.

Angela Carter

Às vezes ouço passar o vento...


Porque hoje é sábado..., originally uploaded by Azorina.



Às vezes ouço passar o vento;
e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Christmas is a bridge


, originally uploaded by Eliel Freitas Jr.


"Christmas is a bridge. We need bridges as the river of time flows past. Today’s Christmas should mean creating happy hours for tomorrow and reliving those of yesterday."

Gladys Taber (1899 -1980)

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Our own point of view...


rainny Sunday, originally uploaded by eloisavh.



We cling to our own point of view, as though everything depended on it. Yet our opinions have no permanence; like autumn and winter, they gradually pass away.


Zhuangzi

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Mãe, que é que é o mar, mãe?


Unconditional love..., originally uploaded by Azorina.


"Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?'


Guimarães Rosa, do livro "Grande Sertão, Veredas"

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

The night...


Zurich by night, originally uploaded by eloisavh.



I often think that the night is more alive and more richly colored than the day.

Vincent Van Gogh

Memory...


Fotógrafos, originally uploaded by Ana Santander.





Memory does not make films, it makes photographs.



Milan Kundera

Emergência


Um olhar nas minhas mãos..., originally uploaded by Joe Taruga.


Emergência

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.

(Mario Quintana - Apontamentos de História Sobrenatural, 1976)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

You become things...


Liberdade, originally uploaded by Ana Santander.



You become things, you become an atmosphere, and if you become it, which means you incorporate it within you, you can also give it back. You can put this feeling into a picture. A painter can do it. And a musician can do it and I think a photographer can do that too and that I would call the dreaming with open eyes.



Ernst Haas

Noite


Imensidão..., originally uploaded by Azorina.




Mais uma vez encontro a tua face,
Ó minha noite que julguei perdida.

Mistério das luzes e das sombras
Sobre os caminhos de areia,

Rios de palidez que escorre
Sobre os campos a lua cheia,

Ansioso subir de cada voz
Que na noite clara se desfaz e morre.

Secreto, extasiado murmurar
De mil gestos entre a folhagem

Tristeza das cigarras a cantar.

Ó minha noite, em cada imagem
Reconheço e adoro a tua face,
Tão exaltadamente desejada,
Tão exaltadamente encontrada,
Que a vida há-de passar, sem que ela passe,
Do fundo dos meus olhos onde está gravada.



Noite - Sophia de Mello Breyner Andresen

You may be sorrow...


Criança Esperança 2006, originally uploaded by Ana Santander.


“You may be sorry that you spoke, sorry you stayed or went, sorry you won or lost, sorry so much was spent. But as you go through life, you'll find - you're never sorry you were kind.”

Herbert Prochnow

onde as árvores vivem em paz...


" Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz. "

(António Carlos Jobim)

domingo, 9 de dezembro de 2007

Algo existe


Farol de Itapuã, originally uploaded by Pinkuiro.



Algo existe num dia de verão,
No lento apagar de suas chamas,
Que me implele a ser solene.

Algo, num meio-dia de verão,
Uma fundura - um azul - uma fragrância,
Que o êxtase transcende.

Há, também, numa noite de verão,
Algo tão brilhante e arrebatador
Que só para ver aplaudo -

E escondo minha face inquisidora
Receando que um encanto assim tão trêmulo
E sutil, de mim se escape.

Algo existe - Emily Dickinson

Velhas árvores


Ponte de Lima, originally uploaded by Rosario_Marques.


Velhas árvores

Olha estas velhas árvores, — mais belas,
Do que as árvores mais moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas . . .

O homem, a fera e o inseto à sombra delas
Vivem livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E alegria das aves tagarelas . . .

Não choremos jamais a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,

Na glória da alegria e da bondade
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Olavo Bilac

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

A Borboleta


Free as a butterfly ..., originally uploaded by Azorina.


Filha da larva que o Inverno hostil
Gelou numa dureza concentrada
Ao aquecer do flavo Sol d’Abril
Surgiu de forma leve e curva alada.

Íris que voa, aspiração subtil
Da flor que quis ser ave, e transformada
Libra no ar a pétala gentil,
Asa da cor, paleta iridiada,

Poisa tão breve que se um sopro a agita
Ergue-se a bambolina num fulgor...
Aflora os lábios duma margarita.

Abrindo manchas, vai de flor em flor,
Flutua, anseia, embala-se e palpita...
Como um bailado trémulo da cor.


A Borboleta - Jaime Cortesão

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Como às vezes num dia azul e manso...


Paisagem, originally uploaded by DjSousa.



"Como às vezes num dia azul e manso"

Como às vezes num dia azul e manso
No vivo verde da planície calma
Duma súbita nuvem o avanço
Palidamente as ervas escurece
Assim agora em minha pávida alma
Que súbito se evola e arrefece
A memória dos mortos aparece...


Fernando Pessoa

A lição do vento


Deep Blue..., originally uploaded by Joe Taruga.



Ao longe ouve-se um farol
Como um nome em pleno espaço
Guardando o vento rouco e baço
Solitário como um Sol

E todo o mar suspenso
De um vazio imenso
Refelecte dum terraço a perfeição

Todo o silêncio
Todo o traço
Todo o esplendor em vão
Tornam mais presente
Toda a solidão

in " A lição do Vento",Maria Azenha

Nature knows...


Florzinha do capim :o), originally uploaded by Ana Santander.


Nature knows no difference between weeds and flowers.

Mason Cooley

sábado, 1 de dezembro de 2007

Devia morrer-se de outra maneira...


Céu incandescente..., originally uploaded by Graça Vargas.




Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de Outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...


Na morte de Manuela Porto - José Gomes Ferreira

A hora para fotografar...


, originally uploaded by ~~henry~~.

Quem sabe diríamos que a hora mais inadequada para fotografar é ao meio-dia, quando o sol alcançou seu ponto mais alto, produzindo sombras muito contrastantes e nem sempre agradáveis em fotografias de ambientes ou pessoas. Durante o dia, a luz do sol vai mudando de direcção, altura, cor e qualidade, modificando o aspecto de uma paisagem. Assim, no alvorecer, os primeiros raios de luz criam um conjunto de tons pastéis que ficam suavizados pela bruma característica deste horário. É um bom momento para se tentar explorar este tipo de iluminação. Por outro lado, no fim da tarde, quando o sol cai no horizonte e começa o crepúsculo, o céu se transforma, com tons cor-de-rosa, produzindo uma iluminação lateral que evidencia a textura e o relevo de uma paisagem além de proporcionar, sucessivamente, cores mais quentes - amarelada, dourada e avermelhada, até acontecer o ocaso. Durante estes poucos minutos a paisagem se altera sem cessar, proporcionando um sem número de possibilidades de se fazer uma boa fotografia.

Gostaria de registrar também que a fotografia feita com o sol totalmente encoberto cria condições ideais para uma proposta suave sem grandes contrastes. É indicada, principalmente, para tomada de pessoas.


Entrevista concedida pelo fotógrafo Germano Schüür à revista Informativo Randon em outubro de 1986 - www.photographia.com.br/texfoto.htm

Para sempre


Moving waters, originally uploaded by Rosario_Marques.



Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.


Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho


PARA SEMPRE - Carlos Drummond de Andrade

PS: Para ouvir o próprio poeta recitando este poema
memoriaviva.digi.com.br/drummond/poema039.htm

When words become unclear...


O silêncio, originally uploaded by Ana Santander.


When words become unclear, I shall focus with photographs. When images become inadequate, I shall be content with silence.


Ansel Adams

Paraíso


Dias de "Alerta" / Waves, originally uploaded by Maria Rego.


Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.

"PARAÍSO" de David Mourão-Ferreira

Eu, que sou feio...


Coffe Break, originally uploaded by nuno_ferreira.



Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso.
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura.
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

«Ela aí vem!» disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, - talvez não o suspeites!-
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Eu, que sou feio... - Cesário Verde

Interrogação


Lonely leaf..., originally uploaded by Azorina.



INTERROGAÇÃO

Estar morto
E ainda verde,
Como as primeiras folhas
Caídas no Outono,
Será esse
O destino
Dos Poetas?



Raul de Carvalho

in Poesia Instante (1984)

Water Picture


White wings of power..., originally uploaded by Azorina.




In the pond in the park
all things are doubled:
Long buildings hang and
wriggle gently. Chimneys
are bent legs bouncing
on clouds below. A flag
wags like a fishhook
down there in the sky.

The arched stone bridge
is an eye, with underlid
in the water. In its lens
dip crinkled heads with hats
that don't fall off. Dogs go by,
barking on their backs.
A baby, taken to feed the
ducks, dangles upside-down,
a pink balloon for a buoy.

Treetops deploy a haze of
cherry bloom for roots,
where birds coast belly-up
in the glass bowl of a hill;
from its bottom a bunch
of peanut-munching children
is suspended by their
sneakers, waveringly.

A swan, with twin necks
forming the figure 3,
steers between two dimpled
towers doubled. Fondly
hissing, she kisses herself,
and all the scene is troubled:
water-windows splinter,
tree-limbs tangle, the bridge
folds like a fan.


Water Picture by May Swenson

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Primeiro


Hundertwasser_bottles' wall, originally uploaded by eloisavh.


Primeiro

Uma tarde,
o Tóino
chegou ao largo
com um vidro extraordinário.
Segurava-se entre o polegar e o indicador,
virado para o sol,
chispavam as sete cores do arco-íris!
E nós,
em volta,
esquecidos do jogo do pião!...

Manuel da Fonseca

terça-feira, 20 de novembro de 2007

O primeiro homem


Reflexos de..., originally uploaded by Joe Taruga.



Era como uma árvore da terra nascida
Confundindo com o ardor da terra a sua vida,
E no vasto cantar das marés cheias
Continuava o bater das suas veias.

Criados à medida dos elementos
A alma e os sentimentos
Em si não eram tormentos
Mas graves, grandes, vagos,
Lagos
Reflectindo o mundo,
E o eco sem fundo
Da ascensão da terra nos espaços
Eram os impulsos do seu peito
Florindo num ritmo perfeito
Nos gestos dos seus braços.


O primeiro homem - Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Of course, there will always be...


Technique or inspiration?, originally uploaded by Rosario_Marques.



Of course, there will always be those who look only at technique, who ask 'how', while others of a more curious nature will ask 'why'. Personally, I have always preferred inspiration to information.


Man Ray

Discovery


gosts on the beach, originally uploaded by Kika BR.


(...)
The sea turned suddenly very young and very old
Revealing beaches
And a people
Of just-created men still the colour of clay
Still naked still in awe


Discovery - Sophia de Mello Breyner Andresen

_______________________________________________

(...)
O mar tornou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados

Descobrimento - Sophia de Mello Breyner Andresen

To make a prairie...


Abelha, originally uploaded by Ana Santander.



To make a prairie it takes a clover and one bee, One clover, and a bee, And revery. The revery alone will do, If bees are few.


Emily Dickinson

Poema melancólico a não sei que mulher


Mulheres à beira-mar..., originally uploaded by Joe Taruga.

"Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.

Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão..."


POEMA MELANCÓLICO A NÃO SEI QUE MULHER - Miguel Torga (1907-1996)

O Fotógrafo





Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando um bêbado.
Fotografei o carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovski -seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.


O Fotógrafo - Manoel de Barros

Sonnet LXV


Flor da "Pedra", originally uploaded by Rui Farinha.

SONNET LXV

Since brass, nor stone, nor earth, nor boundless sea,
But sad mortality o'er-sways their power,
How with this rage shall beauty hold a plea,
Whose action is no stronger than a flower?
O, how shall summer's honey breath hold out
Against the wreckful siege of battering days,
When rocks impregnable are not so stout,
Nor gates of steel so strong, but Time decays?
O fearful meditation! where, alack,
Shall Time's best jewel from Time's chest lie hid?
Or what strong hand can hold his swift foot back?
Or who his spoil of beauty can forbid?
O, none, unless this miracle have might,
That in black ink my love may still shine bright.


WILLIAM SHAKESPEARE

Sou um guardador de rebanhos


Quando estou só reconheço...., originally uploaded by ~~henry~~.


Sou um guardador de rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.


Alberto Caeiro

domingo, 18 de novembro de 2007

Noite do meu inverno


A rustle of delight ..., originally uploaded by Azorina.




E se o vento varrer as folhas secas sem deixar nenhuma?
Este Outono ela não guardará folhas dentro dos livros
E ele não escreverá mais poemas a falar da sua morte
E ambos serão obrigados a não sair do Verão, mesmo
no Inverno, à chuva, atrás dos vidros.




António Barahona - Noite do Meu Inverno

E o mundo aconteceu...


Um lugar no Paraiso ..., originally uploaded by Azorina.


Além do promontório, o mar aberto,
enigma da distância mais remota!
Baloiça a barca o seu destino incerto,
as velas sonham-se asas de gaivota...

Experto, o velho avisa, nos areais...
Viúvas de amanhã aflitas choram...
No céu, sucedem-se astros os sinais...
Os medos por haver já não demoram...

Trombetas anunciam a largada!
As tágides soluçam a saudade
nos versos que Camões à pátria deu...

Ao leme vai a mão determinada,
ousando ser além posteridade...
e, pouco a pouco, o mundo aconteceu.


Do Poeta Português,
José-Augusto de Carvalho(E O MUNDO ACONTECEU ... 30 de Outubro de 2005)

All you need...


Avião II, originally uploaded by nuno_ferreira.

"'All you need,' he once said as a noted photographer orated on the psychology behind one of his pictures, 'is a little bit of luck and enough muscle to click the shutter.' He might have added: a good eye, a heart and a knowing nose for news. For all of these were obvious in his work."

(Judith Friedberg on David Seymour in "Photographic")

Tocando em frente



Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe,
Eu só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder seguir
É preciso chuva para florir

Sinto que seguir a vida
Seja simplesmente
Conhecer a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Cada um de nós compõe
A sua própria história
E cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

TOCANDO EM FRENTE - Renato Teixeira

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Ó castanheiros...


Castanheiro, originally uploaded by DjSousa.


Ó castanheiros de folhas de ouro,
Carregados de ouriços que são ninhos
Onde as castanhas dormem como noivos!

Troncos abertos,

Casas abertas,
Ao vosso abrigo
Dormem os pobres,
Pegam no sono,
Passam as noites
Quando cai neve!

Peitos vazios,
Escancarados,
Sem nada dentro,
Nem coração!
Dais lume, calor
E dais sustento para a mesa,
E dais o mais que eu não sei!...

Ó castanheiros de folhas de ouro,
Apenas sou vosso irmão
Em que a terra vos criou
E criou-me a mim também;
Em que vós ergueis os braços
Suplicantes para os céus
E eu também levanto os meus...
(...)

Branquinho da Fonseca

Um Sossegado Silêncio


No Parque, originally uploaded by DjSousa.





Novembro apagou nas buganvílias
seus nomes brancos, roxos, escarlates.

É mais difícil regressar a casa:
o caminho disfarçou, emudeceu
seu rosto nos muros e nas grades.

- Por onde seguiremos
sem que o outono espesso nos trespasse?


José Bento


Um Sossegado Silêncio - Porto, Edições Asa, 2002

Ilha


If I lived here..., originally uploaded by Joe Taruga.


Ilha

Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente

promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente

Deitada és uma ilha Que percorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro

ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias


David Mourão-Ferreira

He who loves...


Learning to Fly... (II), originally uploaded by Joe Taruga.



He who loves, flies, runs, and rejoices; he is free and nothing holds him back.

Henri Matisse

Tenho pena...


Pedinte, originally uploaded by Ana Santander.



Tenho pena de tudo quanto lida
Neste mundo,de tudo quanto sente,
Daquele a quem mentiram,de quem mente,
Dos que andam pés descalços pela vida,

Da rocha altiva sobre o monte erguida,
Olhando os céus ignotos frente a frente,
Dos que não são iguais à outra gente,
E dos que se ensanguentam na subida!

Tenho pena de mim...pena de ti...
De não beijar o riso duma estrela...
Pena dessa má hora em que nasci...

De não ter asas para ir ver o céu...
De não ser Esta ...a Outra...e mais Aquela...
De ter vivido e não ter sido Eu...


Florbela Espanca

sábado, 10 de novembro de 2007

O espírito

"Nada a fazer amor, eu sou do bando
Impermanente das aves friorentas;
E nos galhos dos anos desbotando
Já as folhas me ofuscam macilentas;

E vou com as andorinhas. Até quando?
À vida breve não perguntes: cruentas
Rugas me humilham. Não mais em estilo brando
Ave estroina serei em mãos sedentas.

Pensa-me eterna que o eterno gera
Quem na amada o conjura. Além, mais, alto,
Em ileso beiral, aí espera:

Andorinha indemne ao sobressalto
Do tempo, núncia de perene primavera.
Confia. Eu sou romântica. Não falto."


O Espírito - Natália Correia

Além da terra, além do céu



Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fundamental essencial,
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.

ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU -
Carlos Drummond de Andrade

Nostalgia


window of hope, originally uploaded by ~~henry~~.

"Nostalgia"

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que plas aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-se esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Florbela Espanca

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Paisagem


No teu ar..., originally uploaded by Joe Taruga.



Desejei-te pinheiro à beira-mar
para fixar o teu perfil exacto.

Desejei-te encerrada num retrato
para poder-te contemplar.

Desejei que tu fosses sombra e folhas
no limite sereno desta praia.

E desejei: « Que nada me distraia
dos horizontes que tu olhas!»

Mas frágil e humano grão de areia
não me detive à tua sombra esguia.

(Insatisfeito, um corpo rodopia
na solidão que te rodeia.)

Paisagem - David Mourão-Ferreira