sexta-feira, 30 de maio de 2008

Se eu pudesse...


Adormecer tranquilo..., originally uploaded by Joe Taruga.


SE EU PUDESSE trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz,
É preciso ser de vez quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...



Alberto Caeiro

Vôo


Butterfly ... and friends..., originally uploaded by Azorina.





Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.



Vôo - Cecília Meireles


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It's not what you look at...


, originally uploaded by Eliel Freitas Jr.



It's not what you look at that matters, it's what you see.


Henry David Thoreau

segunda-feira, 26 de maio de 2008

The camera...


Formato Quadrado [Square Format], originally uploaded by Jim Skea.

'The camera makes everyone a tourist in other people's reality, and eventually in one's own.'

Susan Sontag

Arte-final


Oblivious, originally uploaded by Jim Skea.




Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.


Arte-final
(Affonso Romano de Sant'Anna)

domingo, 18 de maio de 2008

No silêncio dos olhos


Verdilhão (Carduelis chloris), originally uploaded by Maria Rego.


No silêncio dos olhos

Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?

José Saramago, in Os Poemas Possíveis

sábado, 17 de maio de 2008

Just play...


The time tunnel, originally uploaded by Graça Vargas.



"Just play. Have fun. Enjoy the game."

Michael Jordan

Os versos que te fiz


Jô em BSB, originally uploaded by Eliel Freitas Jr.



Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Os versos que te fiz - Florbela Espanca

Os Cisnes


Silhuettes of art (III) ..., originally uploaded by Azorina.


A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul, sem ondas nem espumas.

Bem cedo quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo...
Quando chegar esse momento incerto,
No lago onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo cheio de saudade
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado d'outro cisne.

"Os Cisnes"
Júlio Mário Salusse

Cantares do Sem Nome e de Partidas


Emotions..., originally uploaded by Joe Taruga.



Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

Cantares do Sem Nome e de Partidas
Hilda Hilst

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Um amigo...


Sobre a felicidade, originally uploaded by Ana Santander.


“Não há prazer comparável ao de encontrar um velho amigo, a não ser o de fazer um novo.”

Rudyard Kipling

O sorriso




Creio que foi o sorriso,
O sorriso foi quem abriu a
porta.
Era um sorriso com
muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa,
ficar
nu dentro daquele
sorriso.
Correr, navegar, morrer
naquele sorriso.

O sorriso
Eugénio de Andrade in «O Outro Nome da Terra»


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Long Sight In Age


Jardim Botânico, Rio, originally uploaded by ana_maria_.

Long Sight In Age

They say eyes clear with age,
As dew clarifies air
To sharpen evenings,
As if time put an edge
Round the last shape of things
To show them there;
The many-levelled trees,
The long soft tides of grass
Wrinkling away the gold
Wind-ridden waves- all these,
They say, come back to focus
As we grow old.

Philip Larkin

Eles não têm asas...


Em vôo, originally uploaded by Rosario_Marques.


Que difícil que é a vida dos homens, pensou ela. Eles não têm asas para voar por cima das coisas más.

Sophia de Mello Breyner Andresen, in A Fada Oriana

Prece


Para ti eu criarei..., originally uploaded by Joe Taruga.


Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe por onde tu passas

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

(Prece – Sophia de Mello Breyner Andresen)