domingo, 22 de junho de 2008

O vento


Canas (plumas), originally uploaded by Maria Rego.


O VENTO

Queria transformar o vento.
Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto.
Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela, o olho...
Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.
Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio para o barranco
Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a cadoa do índio para o barranco.
Mas essa imagem me pareceu imprecisa ainda.
Estava quase a desistir quando me lembrei do menino montado no cavalo do vento - que lera em Shakespeare.
Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados com o menino.
Fotografei aquele vento de crinas soltas.

Manoel de Barros
em - Ensaios Fotográficos. Rio de Janeiro: Record, 2005

We live in...


Cores de vida..., originally uploaded by Joe Taruga.

We live in a rainbow of chaos.

Paul Cezanne

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Finding a treasure...


Rio de Janeiro, Brasil, originally uploaded by ana_maria_.




A photographer who made a picture from a splendid moment, an accidental pose of someone or a beautiful scenery, is the finder of a treasure.

Robert Doisneau

terça-feira, 3 de junho de 2008

O Gato


Bolota, originally uploaded by Graça Vargas.


Vai e vem. O passo
deixa no soalho,
menos que um traço,
um fio escasso
de ócio e borralho.

Clara é a pupila
onde não chove
e que, tranqüila,
no ermo cintila,
mas não se move

A pose é exata
a de uma esfinge
da cauda à pata,
nada o arrebata
ou mesmo o atinge.

Aguça o dente,
as unhas lima:
brinca, pressente
‑ e, de repente,
o pulo em cima.

A voz é como
sussurro de onda;
infla-lhe o pomo,
túmido gomo
que se arredonda.

Lúdico e astuto,
eis sua sorte:
alheio a tudo,
ilha sem susto
o tempo e a morte.


O Gato - Ivan Junqueira

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Se eu pudesse...


Adormecer tranquilo..., originally uploaded by Joe Taruga.


SE EU PUDESSE trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz,
É preciso ser de vez quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...



Alberto Caeiro

Vôo


Butterfly ... and friends..., originally uploaded by Azorina.





Alheias e nossas as palavras voam.
Bando de borboletas multicores, as palavras voam
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas,
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.

Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.



Vôo - Cecília Meireles


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It's not what you look at...


, originally uploaded by Eliel Freitas Jr.



It's not what you look at that matters, it's what you see.


Henry David Thoreau

segunda-feira, 26 de maio de 2008

The camera...


Formato Quadrado [Square Format], originally uploaded by Jim Skea.

'The camera makes everyone a tourist in other people's reality, and eventually in one's own.'

Susan Sontag

Arte-final


Oblivious, originally uploaded by Jim Skea.




Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.


Arte-final
(Affonso Romano de Sant'Anna)

domingo, 18 de maio de 2008

No silêncio dos olhos


Verdilhão (Carduelis chloris), originally uploaded by Maria Rego.


No silêncio dos olhos

Em que língua se diz, em que nação,
Em que outra humanidade se aprendeu
A palavra que ordene a confusão
Que neste remoinho se teceu?
Que murmúrio de vento, que dourados
Cantos de ave pousada em altos ramos
Dirão, em som, as coisas que, calados,
No silêncio dos olhos confessamos?

José Saramago, in Os Poemas Possíveis