Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
"Explicação de Poesia Sem Ninguém Pedir"- Adélia Prado
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Explicação de Poesia Sem Ninguém Pedir
Nunca sei...
Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?
Alberto Caeiro
O Futuro Perfeito
"A neta explora-me os dentes.
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiência,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada à inocência.
E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo de sua vida."
O Futuro Perfeito - Vitorino Nemésio
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
A formosura desta fresca serra...
"A formosura desta fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros
o manso caminhar destes ribeiros
donde toda tristeza se desterra..."
Luis de Camões
Poema do homem-rã
Poema do homem-rã
Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.
Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.
Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.
Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?
Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.
António Gedeão
sábado, 23 de fevereiro de 2008
The flower is...
" The flower is the poetry of reproduction. It is an example of the eternal seductiveness of life."
Jean Giraudoux
O verdadeiro significado das coisas...
O verdadeiro significado das coisas se encontra na capacidade de dizer as mesmas coisas com outras palavras.
Charles Chaplin
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
Dance
They are lithesome, full of grace.
Ferocious, too,
like a bunch of burning rooftop cats.
They are young and they are dancing – as beautiful
as dunes, wheat, mustangs.
Dance – Eugénio de Andrade
© 2003, Alexis Levitin
From: Forbidden Words
domingo, 17 de fevereiro de 2008
Laughing Song
When the green woods laugh with the voice of joy,
And the dimpling stream runs laughing by;
When the air does laugh with our merry wit,
And the green hill laughs with the noise of it;
When the meadows laugh with lively green,
And the grasshopper laughs in the merry scene;
When Mary and Susan and Emily
With their sweet round mouths sing 'Ha ha he!'
When the painted birds laugh in the shade,
Where our table with cherries and nuts is spread:
Come live, and be merry, and join with me,
To sing the sweet chorus of 'Ha ha he!'
LAUGHING SONG - William Blake
Desalento
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei
Que eu morri
De arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz
Diz assim
Como sou infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela que estou louco
Pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor
Por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei
Que eu bebi
Que eu caí
Que eu não sei
Que eu só sei
Que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos
Desalento - Vinícius de Moraes
Abril
Abril
Brinca a manhã feliz e descuidada,
como só a manhã pode brincar,
nas curvas longas desta estrada
onde os ciganos passam a cantar.
Abril anda à solta nos pinhais
coroado de rosas e de cio,
e num salto brusco, sem deixar sinais,
rasga o céu azul num assobio.
Surge uma criança de olhos vegetais,
carregados de espanto e de alegria,
e atira pedras às curvas mais distantes
- onde a voz dos ciganos se perdia.
Eugénio de Andrade
O Vento na Ilha
"Vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.
Quer me levar: escuta
como ele corre o mundo
para levar-me longe.
Esconde-me em teus braços
por esta noite erma,
enquanto a chuva rompe
contra o mar e a terra
sua boca inumerável.
Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me longe." (...)
O Vento na Ilha - Pablo Neruda
Soneto da Terra
"Quem me dera poder retribuir-te
Em vida, tudo aquilo que me deste,
Este sopro de vida sem pedir-me
Nada em troca, daquilo que fizeste.
Gritar em defesa do teu nome
Lamentar por teus filhos avarentos
Morrer, pra saciar tua fome.
Escrever tua saga, teu lamento...
Mãe Terra, de tantas voltas vividas,
Pérola das águas, do poder da vida.
Vida tirana que decreta a morte.
Apesar de tudo, continuas forte.
Teu ciclo de vida... Maior que o homem
Devolvendo a vida e coroando a morte."
Soneto da Terra - José Manoel dos Santos
Oiro sobre Azul
Oiro sobre Azul
Um
dia azul onde o teu nome
a oiro nele surgisse gravado
um dia todo de azul e oiro
e no ar inscritas, cinco letras
que em grito dissessem
o que eu não quero calar
Um dia azul..azul.. azul…
onde em sussurro eu pudesse
dizer-te as cinco letrinhas
que eu quis gritar.
Angela Santos
Symbols? I’m sick of symbols...
Symbols? I’m sick of symbols...
Some people tell me that everything is symbols.
They’re telling me nothing.
What symbols? Dreams...
Let the sun be a symbol, fine...
Let the moon be a symbol, fine...
Let the earth be a symbol, fine...
But who notices the sun except when the rain stops
And it breaks through the clouds and points behind its back
To the blue of the sky?
And who notices the moon except to admire
Not it but the beautiful light it radiates?
And who notices the very earth we tread?
We say earth and think of fields, trees and hills,
Unwittingly diminishing it,
For the sea is also earth.
(…)
Symbols? I’m sick of symbols... - Álvaro de Campos
Translation: 1998, Richard Zenith
From: Fernando Pessoa & Co. – Selected Poems
Grove Press, New York, 1998