sábado, 30 de junho de 2007

Certeza


Um rumor leve..., originally uploaded by Joe Taruga.


Certeza

De tudo, ficaram três coisas:
A certeza de que estamos sempre começando...
A certeza de que precisamos continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...

Portanto devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro...

Fernando Sabino

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Apenas caminhando sózinho...


Solidão... e imensidão..., originally uploaded by Joe Taruga.


Apenas caminhando sozinho, e sem bagagem, se pode penetrar verdadeiramente no âmago do deserto. Todas as outras viagens não passam de pó, hotéis, bagagem e palavreado.

John Muir

Não fales as palavras dos homens...

Não fales as palavras dos homens
Palavras com vida humana
Que nascem, crescem e morrem
Faze a tua palavra perfeita
Dize somente coisas eternas
Vive em todos os tempos
Pela tua vez
Sê o que o ouvido nunca esquece
Repete-te para sempre
Em todos os corações
Em todos os mundos...


Cecília Meireles

Acenda a lâmpada...


Ceu, originally uploaded by BlueDolphim.


acenda a lampada às seis horas da tarde
acenda a luz dos lampiões
inflame
a chama dos salões
fogos de línguas de dragões
vagalumes

numa nuvem de poeira de neon
tudo é claro
tudo é claro
a noite assim que é bom

a luz acesa na janela lá de casa
o fogo
o foco lá no beco
e o farol

esta noite vai ter sol

p. leminski

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Urgentemente


É urgente um barco no mar., originally uploaded by janicafranco.



É urgente o amor
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
Ódio, solidão e crueldade,
Alguns lamentos,
Muitas espadas.

É urgente inventar alegria.
Multiplicar os beijos, as searas,
É urgente descobrir rosas e rios
E manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
Impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
Permanecer.


Urgentemente - Eugénio de Andrade

Behold the duck


Patos - cumplicidade, originally uploaded by Ana Santander.


Behold the duck.
It does not cluck.
A cluck it lacks.
It quacks.
It is specially fond
Of a puddle or pond.
When it dines or sups,
It bottoms ups.

Ogden Nash

Força do hábito

"Um dia o meu cavalo voltará sozinho e, assumindo sem querer a minha própria imagem e semelhança, virá ler, naquele café de sempre, nosso jornal de cada dia...

"Força do Hábito" - Mario Quintana

terça-feira, 26 de junho de 2007

Quero trocar...


Mais um dia que se vai..., originally uploaded by Dalvinha.

Quero trocar uma cidade
por um pôr de sol;
O tropel das legiões
pelo grito selvagem do vento;
E todas as arremetidas
fanfarronadas do aço triunfante
por um pico distante,
azul, contra o firmamento.

Marie Blake

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Poema enjoadinho


My girls, originally uploaded by eloisavh.


Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como os queremos!
Banho de mar
Diz que é um porrete...
Cônjuge voa
Transpõe o espaço
Engole água
Fica salgada
Se iodifica
Depois, que boa
Que morenaço
Que a esposa fica!
Resultado: filho.
E então começa
A aporrinhação:
Cocô está branco
Cocô está preto
Bebe amoníaco
Comeu botão.
Filhos? Filhos
Melhor não tê-los
Noites de insônia
Cãs prematuras
Prantos convulsos
Meu Deus, salvai-o!
Filhos são o demo
Melhor não tê-los...
Mas se não os temos
Como sabê-los?
Como saber
Que macieza
Nos seus cabelos
Que cheiro morno
Na sua carne
Que gosto doce
Na sua boca!
Chupam gilete
Bebem xampu
Ateiam fogo
No quarteirão
Porém, que coisa
Que coisa louca
Que coisa linda
Que os filhos são!


Poema enjoadinho - Vinicius de Moraes

domingo, 24 de junho de 2007

Preservação


Era tarde... e chovia..., originally uploaded by Joe Taruga.


Preservação

Uma gaivota pousada
No telhado
Convido-a a entrar. recusa.
Tem receio que a musa
Dos meus versos
Esteja em casa
E desencante o azul encantamento
- O mar e o firmamento -
Que traz em cada asa.

Miguel Torga

sexta-feira, 22 de junho de 2007

O rio


Aninha e suas pedras, originally uploaded by Ana Santander.


Uma gota de chuva
A mais, e o ventre grávido
Estremeceu, da terra.
Através de antigos
Sedimentos, rochas
Ignoradas, ouro
Carvão, ferro e mármore
Um fio cristalino
Distante milénios
Partiu fragilmente
Sequioso de espaço
Em busca de luz.

Um rio nasceu.

"O rio" - Vinicius de Moraes

Os que vinham da Dor


IMG_7917_a, originally uploaded by janicafranco.




Os que vinham da Dor tinham nos olhos
estampadas verdades crudelíssimas.
Tudo que era difícil era fácil
aos que vinham da Dor directamente.

A flor só era bela na raiz,
o Mar só era belo nos naufrágios,
as mãos só eram belas se enrugadas,
aos olhos sabedores e vividos
dos que vinham da Dor directamente.

Os que vinham da Dor directamente
eram nobres de mais pra desprezar-vos,
Mar azul!, mãos de lírio!, lírios puros!
Mas nos seus olhos graves só cabiam
as verdades humanas crudelíssimas
que traziam da Dor directamente.


Os que Vinham da Dor - Sebastião da Gama

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Cascata


Cascata, originally uploaded by janicafranco.


Olho a serra apontando para o céu
com os braços grandes dos seus picos,
com os dedos verdes das suas árvores.
Mas bem que ela não esquece os humildes,
nem o chão, nem as pedras que jazem a seus pés.

E pelo abismo, vinda das alturas,
como se fosse um véu de rendas,
como se fosse prata liqüefeita,
salta a linda cascata,
borbulhando eternal.

Ouço. A água geme entre as pedras lodosas,
canta e murmura, ou será que soluça?
Esse barulho de água beijando os penhascos
deve ser um poema de amor
que a serra sabe de cor para dizer ao chão...

Bendito o Deus-poeta que te fez, cascata!
Bendita a Natureza onde palpitam sonhos,
sonhos de amor, belezas, ilusões,
em todos os recantos, até nos abismos!
Cascata, és um sonho líquido e sublime.
(...)

Newton de Freitas

I thank you God...


Lagoas 4, originally uploaded by janicafranco.


I thank you God for this most amazing day, for the leaping greenly spirits of trees, and for the blue dream of sky and for everything which is natural, which is infinite, which is yes.



e. e. cummings

Poema do afinal


Ponta da Madrugada 3, originally uploaded by janicafranco.



No mesmo instante em que eu, aqui e agora,
Limpo o suor e fujo ao Sol ardente,
Outros, outros como eu, além e agora,
Estremecem de frio e em roupas se agasalham.

Enquanto o Sol assoma, aqui, no horizonte,
E as aves cantam e as flores em cores se exaltam,
Além, no mesmo instante, o mesmo Sol se esconde,
As aves emudecem e as flores cerram as pétalas.
Enquanto eu me levanto e aqui começo o dia,
Outros, no mesmo instante, exactamente o acabam.
Eu trabalho, eles dormem; eu durmo, eles trabalham.
Sempre no mesmo instante.

Aqui é Primavera. Além é Verão.
Mais além é Outono. Além, Inverno.
E nos relógios igualmente certos,
Aqui e agora,
O meu marca meio-dia e o de além meia-noite.

Olho o céu e contemplo as estrelas que fulgem.
Busco as constelações, balbucio os seus nomes.
Nasci a olhá-las, conheço-as uma a uma.
São sempre as mesmas, aqui, agora e sempre.

Mas além, mais além, o céu é outro,
Outras são as estrelas, reunidas
Noutras constelações.

Eu nunca vi as deles;
Eles,
Nunca viram as minhas.

A Natureza separa-nos.
E as naturezas.
A cor da pele, a altura, a envergadura,
As mãos, os pés, as bocas, os narizes,
A maneira de olhar, o modo de sorrir,
Os tiques, as manias, as línguas, as certezas.

Tudo.

Afinal
Que haverá de comum entre nós?

Um ponto, no infinito.


Poema do afinal - António Gedeão

O amor é grande...


Friday Poser, originally uploaded by Graça Vargas.


O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.

Carlos Drummond de Andrade

Doors

...
"...", originally uploaded by ana_maria_


DOORS

A metaphor for life, doors.
From our earliest years we
open and shut them without
a thought, yet they symbolise
our journey to the very end.

So when is a door not a door?
When it's ajar. Jocular jocular,

Jerry Hughes

Tarde no mar


Areal da Ribeira Grande 1, originally uploaded by janicafranco.


Tarde no mar

A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,

Pousa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!

Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...

E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...

Florbela Espanca

Dia de anos


IMG_7899_a, originally uploaded by janicafranco.


Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta-feira
Vinte e seis anos! Que tolo!
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!

Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!

Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.

Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!

Dia de Anos - João de Deus

terça-feira, 19 de junho de 2007

It's not what you look at...

light & shadows # 1
light & shadows # 1, originally uploaded by ana_maria_


It's not what you look at that matters, it's what you see.



Henry David Thoreau

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Amigo


Amigos..., originally uploaded by Azorina.




Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,

Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!


Amigo - Alexandre O’Neill

in No Reino da Dinamarca

sábado, 16 de junho de 2007

Ontem choveu...


Sinais de homens... VI, originally uploaded by Joe Taruga.


Ontem choveu no futuro.
Águas molharam meus pejos
Meus apetrechos de dormir
Meu vasilhame de comer.
Vogo no alto da enchente à imagem de uma rolha.
Minha canoa é leve como um selo.
Estas águas não têm lado de lá.
Daqui só enxergo a fronteira do céu.
(Um urubu fez precisão em mim?)
Estou anivelado com a copa das árvores.
Pacus comem frutas de carandá nos cachos.

Manoel de Barros
(Os Deslimites da Palavra - Dia Um)

As pessoas crescidas...


As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações.

Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, 15 de junho de 2007

The Road Not Taken


Because it was grassy ..., originally uploaded by Azorina.



Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that, the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.


The Road Not Taken - Robert Frost (1874–1963)

Nuvens...


Se a luz é tanta..., originally uploaded by Joe Taruga.


Nuvens correndo num rio
Nuvens correndo num rio
Quem sabe onde vão parar?
Fantasma do meu navio
Não corras, vai devagar!

Vais por caminhos de bruma
Que são caminhos de olvido.
Não queiras, ó meu navio,
Ser um navio perdido.

Sonhos içados ao vento
Querem estrelas varejar!
Velas do meu pensamento
Aonde me quereis levar?

Não corras, ó meu navio
Navega mais devagar,
Que nuvens correndo em rio,
Quem sabe onde vão parar?

Que este destino em que venho
É uma troça tão triste;
Um navio que não tenho
Num rio que não existe.

Natália Correia

I went to the woods...

Pause...
Pause..., originally uploaded by Simonedc.


"I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I have not lived."


Henry David Thoreau

The one nice thing about sports...


s/t, originally uploaded by Simonedc.


The one nice thing about sports is that they prove men do have emotions and are not afraid to show them.

Jane O'Reilly

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Há prazer...


Paredes do Mar / Walls of the Sea, originally uploaded by Goga_.

Há prazer nos bosques sem veredas,
Há êxtase numa praia solitária,
Há companhia, quando ninguém aparece,
Junto ao mar profundo, musical no seu rugido:
Não gosto menos do Homem mas mais da Natureza.

Lord Byron

Poema de sete faces


12, originally uploaded by Goga_.

Poema de Sete Faces

Quando nasci um anjo torto
desses que vive na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
Não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
Pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Colors are...

4 Poser
4 Poser, originally uploaded by ~~henry~~


Colors are the smiles of nature.


Leigh Hunt

terça-feira, 12 de junho de 2007

Pequena elegia chamada domingo


Horizontes - Horizon, originally uploaded by Maria Rego.



O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos
estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios ...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

Pequena elegia chamada domingo - Eugénio de Andrade (1923 - 2005)

"As Mãos e os Frutos"

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Sobre estas duras...


Início de tempestade, originally uploaded by Ana Santander.



Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas.

Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros e sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando, e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas.

Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objectos de horror co'a ideia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo.

Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue: eu peno, eu morro.


Sobre estas duras - Bocage

Brinquedo


Starry night, originally uploaded by eloisavh.


Brinquedo

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga

sábado, 9 de junho de 2007

Desire for a Monument


Lac, originally uploaded by eloisavh.


DESIRE FOR A MONUMENT

Set a monument for me,
built of sugar, in the sea.
It will melt, of course, and make
briefly a sweet-water lake;
meanwhile, fishes by the score
take surprised a sip or more.
They, in various ports, will then
be consumed, in turn, by men.
This way I will join the chain
of humanity again,
while, were I of stone or steel,
just some pigeon ungenteel,
or perhaps a Ph.D.
would discharge his wit on me.

CHRISTIAN MORGENSTERN

sexta-feira, 8 de junho de 2007

We cannot...


Vidas..., originally uploaded by Azorina.


We photographers deal in things which are continually vanishing, and when they have vanished there is no contrivance on earth can make them come back again. We cannot develop and print a memory.


Henri Cartier-Bresson

Nocturno


The Cry of The Children, originally uploaded by Azorina.

Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...

Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.

Era, no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy...
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.

Era o ladrar de cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...

Nocturno - David Mourão-Ferreira

Não digas...


Windsurf 1, originally uploaded by janicafranco.


Não digas ao mundo o que és capaz de fazer
demonstra-o!

Ricardo Oda

Descobrimento


Um ídolo de muitos braços..., originally uploaded by Joe Taruga.


Um oceano de músculos verdes
Um ídolo de muitos braços como um polvo
Caos incorruptível que irrompe
E tumulto ordenado
Bailarino contorcido
Em redor dos navios esticados

Atravessamos fileiras de cavalos
Que sacudiam as crinas nos alísios

O mar tornou-se de repente muito novo e muito antigo
Para mostrar as praias
E um povo
De homens recém-criados ainda cor de barro
Ainda nus ainda deslumbrados

Descobrimento - Sophia de Mello Breyner Andresen

The language of friendship...

Pirenópolis, Goiás
Pirenópolis, Goiás, originally uploaded by ana_maria_


The language of friendship is not words but meanings.


Henry David Thoreau

Liberdade


Brincadeiras de irmãos..., originally uploaded by Loca-Bandoca.


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O Sol doira
Sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Liberdade - Fernando Pessoa

Surfista


IMG_8522_a, originally uploaded by janicafranco.


Surfista

De pé na frágil tábua
onda a onda ele escrevia
poesia sobre a água.
Era uma escrita tão una
de tão perfeita harmonia
que o que ficava na espuma
não se podia apagar:
era a própria grafia
do poema do mar.

Manuel Alegre

Art is never finished...


O paraíso desprezado..., originally uploaded by Joe Taruga.


Art is never finished, only abandoned.

Leonardo da Vinci

Anímico


Thirsty little Buttercup ..., originally uploaded by Azorina.


Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá p'ra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoado de todo jeito:
tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asa, é boca, é bico,
é grão de poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.

Anímico - Adélia Prado

Uma fotografia aérea...

Lisbon sightseeing II
Lisbon sightseeing II, originally uploaded by isolano

Uma fotografia aérea (excertos)

eu devo ter ouvido
ou mesmo visto
o avião como um pássaro
branco
romper o céu
veloz voando sobre as cores da ilha
num relance passar
no ângulo da janela
como um fato qualquer
eu devo ter ouvido esse avião
que às três e dez de uma tarde
há trinta anos
fotografou nossa cidade

meu rosto agora
sobrevoa
sem barulho
essa fotografia aérea
Aqui está
num papel
a cidade que houve
(e não me ouve)
com suas águas e seus mangues
aqui está
(no papel)
uma tarde que houve
com suas ruas e casas
uma tarde
com seus espelhos
e vozes (voadas
na poeira)
uma tarde que houve numa cidade
aqui está
no papel que (se quisermos) podemos rasgar


Ferreira Gullar

Ferreira Gullar - por ele mesmo

Com as gaivotas


Zürisee's sunset, originally uploaded by eloisavh.


Contente de me dar como as gaivotas
bebo o outono e a tarde arrefecida.
Perfeito o céu, perfeito o mar, e este amor
por mais que digam é perfeito como a vida.

Tenho tristezas como toda a gente.
E como toda a gente quero alegria.
Mas hoje sou dum céu que tem gaivotas,
leve o diabo essa morte dia a dia.

(Com as gaivotas - Eugénio de Andrade)

Tenho o nome de uma flor

...
"...", originally uploaded by ana_maria_

Tenho o nome de uma flor
quando me chamas.
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água, rapariga,
ou algum pomar que atravessei.


Tenho o nome de uma flor - Eugénio de Andrade

You can't depend on your eyes...


Trem Fantasma, originally uploaded by eloisavh.


You can't depend on your eyes when your imagination is out of focus.


Mark Twain

O Olhar


O Transeunte (Passing By), originally uploaded by Jim Skea.


O OLHAR

Ele era um andarilho.
Ele tinha um olhar cheio de sol
de águas
de árvores
de aves.
Ao passar pela Aldeia
Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.
O silêncio honrava sua vida.

Manoel de Barros

Passa uma borboleta por diante de mim...


Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro

Canção tão simples


Cavalo Pantaneiro, originally uploaded by Goga_.



Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?


Canção tão simples

Manuel Alegre
in "O canto e as armas"