domingo, 28 de outubro de 2007

Enquanto longe divagas


Maresias..., originally uploaded by Joe Taruga.


Enquanto longe divagas
E através de um mar desconhecido esqueces a palavra
- Enquanto vais à deriva das correntes
E fugitivo perseguido por inomeadas formas
A ti próprio te buscas devagar
- Enquanto percorres os labirintos da viagem
E no país de treva e gelo interrogas o mudo rosto das sombras
- Enquanto tacteias e duvidas e te espantas
E apenas como um fio te guia a tua saudade da vida
Enquanto navegas em oceanos azuis de rochas negras
E as vozes da casa te invocam e te seguem
Enquanto regressas como a ti mesmo ao mar
E sujo de algas emerges entorpecido e como drogado
- Enquanto naufragas e te afundas e te esvais
E na praia que é teu leito como criança dormes
E devagar devagar a teu corpo regressas
Como jovem toiro espantado de se reconhecer
E como jovem toiro sacodes o teu cabelo sobre os olhos
E devagar recuperas tua mão teu gesto
E teu amor das coisas sílaba por sílaba.
(...)

(Enquanto longe divagas - Sophia de Mello Breyner Andresen)

sábado, 27 de outubro de 2007

Photography to me is...



Photography to me is catching a moment which is passing, and which is true.



Jacques-Henri Lartigue

Soneto da Maioridade


touching the light, originally uploaded by eloisavh.


O Sol, que pelas ruas da cidade
Revela as marcas do viver humano
Sobre teu belo rosto soberano
Espalha apenas pura claridade.

Nasceste para o Sol; és mocidade
Em plena floração, fruto sem dano
Rosa que enfloresceu, ano por ano
Para uma esplêndida maioridade.

Ao Sol, que é pai do tempo, e nunca mente
Hoje se eleva a minha prece ardente:
Não permita ele nunca que se afoite

A vida em ti, que é sumo de alegria
De maneira que tarde muito a noite
Sobre a manhã radiosa do teu dia.

"Soneto da Maioridade" - Vinicius de Moraes

Terror de te amar num sítio tão frágil...


Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.


Sophia de Mello Breyner Andresen

Quase um poema de amor


Making Dreams Come True, originally uploaded by DjSousa.



Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
--- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor


Quase um poema de amor - Miguel Torga

...the smallest thing...


Little world, originally uploaded by Kika BR.



In photography, the smallest thing can become a big subject, an insignificant human detail can become a leitmotiv. We see and we make seen as a witness to the world around us; the event, in its natural activity, generates an organic rhythm of forms.


Henri Cartier-Bresson

Words today are like...


Se eu olhar o mar... (II), originally uploaded by Joe Taruga.


Words today are like the shells and rope of seaweed which a child brings home glistening from the beach and which in an hour have lost their lustre.

Cyril Connolly

A Thunderstorm


Pretty leaf..., originally uploaded by Azorina.

"The wind begun to rock the grass
With threatening tunes and low, -
He flung a menace at the earth,
A menace at the sky.

The leaves unhooked themselves from trees
And started all abroad;
The dust did scoop itself like hands
And throw away the road.

The wagons quickened on the streets,
The thunder hurried slow;
The lightning showed a yellow beak,
And then a livid claw.

The birds put up the bars to nests,
The cattle fled to barns;
There came one drop of giant rain,
And then, as if the hands

That held the dams had parted hold,
The waters wrecked the sky,
But overlooked my father's house,
Just quartering a tree."


A Thunderstorm - Emily Dickinson

Bruto


Playing with light (1), originally uploaded by Azorina.


bruto

Sílica cristalizada
o quartzo
guarda a luz
dentro do gás

Tais formas
(sóis congelados em molduras)
são deuses dormindo minerais

Victor Loureiro

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Green God


Jardim Botânico, Rio, originally uploaded by ana_maria_.


Green God

Trazia consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
duma flauta que tocava.

Eugénio de Andrade

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Soneto do Desmantelo Azul


Tranquilidade, originally uploaded by Pinkuiro.



Então pintei de azul os meus sapatos
Por não poder de azul pintar as ruas,
Depois, vesti meus gestos insensatos
E colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir de nós o azul ausente
E aprisionar no azul as coisas gratas,
Enfim, nós derramamos simplesmente
Azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
Que na amplidão que havia em nosso espaço
Pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
E vimos que entre nós havia um sul
Vertiginosamente azul. Azul

Soneto do Desmantelo Azul - Carlos Pena Filho

Destino


Botão de papoula se abrindo, originally uploaded by Pinkuiro.

"Quem disse à estrela o caminho
Que ela há-de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta --- FLORESCE! ---
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há-de ir pedir?

Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.
Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela,
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer."


Destino - Almeida Garrett

sábado, 20 de outubro de 2007

Já Sobre a Fronte


IMG_1630_aaa, originally uploaded by janicafranco.




Já sobre a fronte vã se me acinzenta
O cabelo do jovem que perdi.
Meus olhos brilham menos.
Já não tem jus a beijos minha boca.
Se me ainda amas, por amor não ames:
Traíras-me comigo.

Já Sobre a Fronte - Ricardo Reis

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Diário de Bordo


As praias desertas..., originally uploaded by Joe Taruga.




Palavras vindas do mar,
palavras que voltam ao mar.
Rabiscos secos na areia úmida,
coisa sentida que a alma escreveu.
Tormentos e esperanças
em busca da verdade.
Diário de bordo
escrito em noites de lua,
dentro da solidão
de alguma noite mais escura.


Diário de Bordo - Vilma Guimarães Rosa

No mistério do Sem-Fim...


No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, urna violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de urna borboleta.

Cecília Meireles

The insect...


Gafanhoto, originally uploaded by DjSousa.


The insect certain is the plague of fables.

Dylan Thomas

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Sou de vidro


Licor do Ezequiel..., originally uploaded by Azorina.



Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro

Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido

Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita.


Sou de vidro - Lídia Jorge

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Não te trarei flores ...


Meninas para a escola ..., originally uploaded by Azorina.



Não te trarei flores, mas tomarei
a tua mão e te levar-te-ei até elas.
Não um punhado de flores,
mas um bosque salpicado de prímulas,
obscurecido por violetas.
Dou-te a primavera.

Pam Brown

When you photograph...


Menino triste ..., originally uploaded by Azorina.



When you photograph people in color, you are photographing their clothes. When you photograph them in B&W, you photograph their souls.


Ted Grant

The rest is...



“We work in the dark, We do what we can, We give what we have, Our doubt is our passion, and our passion is our task, The rest is the madness of art.”

Henry James

Dogs are funny...


Santa Paws, originally uploaded by Pinkuiro.


dogs are funny

i saw a dog, his head through the fence,
it was really very silly,
and it didn't make sense,
dogs are funny.

i saw a dog lying on his tummy,
right next to him was a bunny,
i saw a dog try to climb a tree,
when i tried to stop him, he bit me.
dogs are funny.

all he wanted was the branch,
but it was no match,
i saw a dog chase his tail,
oh, oh, he tripped over a pail.
dogs are funny.

jim foulk

Lamento


Sophia... um mar eterno!, originally uploaded by Joe Taruga.

"Um dilúvio de luz cai da montanha:
Eis o dia! eis o Sol! o esposo amado!
Onde há por toda a Terra um só cuidado
Que não dissipe a luz que o Mundo banha?

Flor a custo medrada em erma penha,
Revolto mar ou golfo congelado,
Aonde há ser de Deus tão olvidado
Para quem paz e alívio o Céu não tenha?

Deus é Pai! Pai de toda a criatura:
E a todo o ser o seu amor assiste:
De seus filhos o mal sempre é lembrado...

Ah! se Deus a seus filhos dá ventura
Nesta hora santa... e eu só posso ser triste...
Serei filho, mas filho abandonado!"


Lamento - Antero de Quental

Horizonte


Nuvens, originally uploaded by DjSousa.


Horizonte

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa ---
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte ---
Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Pink Azalea


Azaléias, originally uploaded by Graça Vargas - Flowers.


Pink Azalea

Early on an April day
In the land of morning calm
Azaleas bloom pink
At sunrise with a bright salaam They bloom alone
Around a quiet place
Where men, animals and insects
make little havoc of rat-race Azaleas are no Cosmos flower
Standing by the roadside
Flirting, giggling and cheek-rubbing
Against passersby, so dignified
They only bloom pink
Like maidens' heart, so purified
Breathing free fresh air
In the morning glow, misty-eyed
They drift upon the river
Getting neither wet nor dried Azaleas refuse to be tainted
By evening glow on the west-side
Mellowing into a pink shade
Beneath the sun at eventide

Kim Unsong

Um dia branco...


Imagens de silêncio... (III), originally uploaded by Joe Taruga.




Dai-me um dia branco, um mar de beladona
Um movimento
Inteiro, unido, adormecido
Como um só momento.

Eu quero caminhar como quem dorme
Entre países sem nome que flutuam.

Imagens tão mudas
Que ao olhá-las me pareça
Que fechei os olhos.

Um dia em que se possa não saber.



Um dia branco - Sophia de Mello Breyner Andresen

Os cogumelos do Paraíso


(...)

Vivo no paraíso dos cogumelos
dias tristes, dias alegres,
mas tudo é ilusão passageira,
só não passa nesta vida
a casca estrangeira.
(...)
Os cogumelos do paraíso
são adubados com a maresia
e os marujos já não são mais fêmeas,
pois as fêmeas são eternos machos
depois da ceia que consome seus rabos.

Nós não temos nada,
se temos a vida
ela ainda nos deve a morte,
portanto tudo é ilusão
dias de trabalho, outros de ócio
dias de amor, outros de ódio,
e os cogumelos são adubados
para fabricar desejos,
e onde não há alucinação
não germina gente,
nem se fabrica coração.


Os cogumelos do Paraíso - Cristiane Neder

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Send me a leaf...


Send me a leaf, but from a bush
That grows at least one half hour
Away from your house, then
You must go and will be strong, and I
Thank you for the pretty leaf.

Bertolt Brecht

Da minha aldeia...


Piódão, originally uploaded by Graça Vargas.


Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

Fernando Pessoa

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Cais da saudade


O sol já vai caindo..., originally uploaded by Joe Taruga.


Cais da saudade

No cais da saudade
Morre um sonho mais:
Sou eu, de sonho, indo
Para nunca mais.

Ponho os olhos de água
Quando morre um sonho:
Sal de água no rosto
Para um outro sonho.

A mágoa vem nesse
Breve fio de água:
Choro um sonho e ponho
Outro sonho à água.

Eduíno de Jesus

The bee...


Bzzzz..., originally uploaded by Azorina.

The bee is not afraid of me,
I know the butterfly;
The pretty people in the woods
Receive me cordially.

...

Emily Dickinson (1830–86)

As mãos


, originally uploaded by DjSousa.


Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sempre são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.



As mãos - Eugénio de Andrade

~~

Água, sal e vontade...


Água, sal e vontade – a vida!
Azul – a cor do céu e da inocência.
Um lenço a colorir a despedida
Da galera da ausência...

Mar tenebroso!
Mar fechado e rugoso
Sobre um casto jardim adormecido!
Mar de medusas que ninguém semeia,
Criadas com mistério e com areia,
Perfeitas de beleza e de sentido!

Vem a sede da terra e não se acalma!
Vem a força do mundo e não te doma!
Impenitente e funda, a tua alma
Guarda-se no cristal duma redoma.
(...)

Miguel Torga, in "Odes", 1946; "Poesia Completa"

In My Sky At Twilight


Final de tarde..., originally uploaded by Joe Taruga.

" In my sky at twilight you are like a cloud
and your form and colour are the way I love them.
You are mine, mine, woman with sweet lips
and in your life my infinite dreams live.

The lamp of my soul dyes your feet,
the sour wine is sweeter on your lips,
oh reaper of my evening song,
how solitary dreams believe you to be mine!

You are mine, mine, I go shouting it to the afternoon's
wind, and the wind hauls on my widowed voice.
Huntress of the depth of my eyes, your plunder
stills your nocturnal regard as though it were water.

You are taken in the net of my music, my love,
and my nets of music are wide as the sky.
My soul is born on the shore of your eyes of mourning.
In your eyes of mourning the land of dreams begin."


In My Sky At Twilight - Pablo Neruda

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Exílio


Olhar Turco...., originally uploaded by Rui Farinha.

EXÍLIO

Oh tempo tempo tempo,
tempo de colher
o que temos maduro:
o lume dos olhos
a luzir no escuro.


Eugénio de Andrade

Portrait...


Rostos de Portugal 004, originally uploaded by Rui Farinha.


The most difficult thing for me is a portrait. You have to try and put your camera between the skin of a person and his shirt.


Henri Cartier-Bresson

Playing...


Vindo do céu / Come from the Sky, originally uploaded by DjSousa.


The true object of all human life is play. Earth is a task garden; heaven is a playground.

Gilbert Keith Chesterton

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Gota de Água


After the rain, originally uploaded by Graça Vargas - Flowers.


Gota de Água

Eu, quando choro,
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.

António Gedeão

What is important...


"What is important to my work is the individual picture. I photograph stories on assignment, and of course they have to be put together coherently.
But what matters most is that each picture stands on its own, with its own place and feeling."

Steve McCurry
(photograph of the Magnum Agency)

Pescaria


As mãos do mar vêm e vão..., originally uploaded by Azorina.



Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.

Pescaria - Cecília Meireles